Clima & energia

Chile planeja ser um dos principais exportadores de hidrogênio verde

Grande potencial de geração de energia solar e eólica do país lhe permite produzir o combustível a preço baixo
<p>Um parque solar no deserto de Atacama do Chile (imagem: Felipe Cantillana / Imagem do Chile)</p>

Um parque solar no deserto de Atacama do Chile (imagem: Felipe Cantillana / Imagem do Chile)

Produzir o hidrogênio verde mais barato do planeta e estar entre seus três maiores exportadores é a meta estabelecida pelo Chile para daqui a duas décadas. Se o plano for cumprido, o hidrogênio verde ainda permitiria uma redução de 25% nas emissões do país, acelerando o passo do cumprimento de sua meta de neutralidade de carbono.

25%


das emissões do Chile poderiam ser reduzidas graças ao hidrogênio verde

Embora o hidrogênio seja o elemento químico mais abundante no universo e tenha sido o combustível do primeiro motor de combustão interna, até pouco tempo atrás ele não havia sido considerado uma alternativa sustentável. Sua classificação como “hidrogênio cinza” se deve ao fator de 95% de sua produção global ser extraída de petróleo, gás natural e carvão. 

Mas o hidrogênio também pode ser produzido por eletrólise – um processo que usa eletricidade para separar moléculas de água em hidrogênio e oxigênio. Como esse processo pode ser feito com energias renováveis, o hidrogênio pode se tornar um combustível verde.

Nos últimos anos, a geração de energia solar e eólica tem crescido muito no Chile, mas está longe de atingir seu potencial máximo. O Deserto do Atacama, no norte do país, tem a maior radiação solar do mundo enquanto que, no extremo sul do país, há uma considerável e constante geração de ventos. Ambos somam um potencial de energia renovável 70 vezes maior do que a capacidade de geração de energia que o Chile tem hoje, o equivalente a mais de 1.800 GW.

Por isso, no início de novembro, o Chile apresentou sua Estratégia Nacional de Hidrogênio Verde. Com ela, visa atingir 5 GW de capacidade de eletrólise até 2025, produzir o hidrogênio verde mais barato do mundo até 2030, e tornar o país um dos três maiores exportadores até 2040.

“O hidrogênio verde é uma oportunidade estratégica para o Chile. Nosso país é o lugar ideal para produzir e exportar hidrogênio verde e seus derivados, incluindo amônia, metanol e combustíveis sintéticos”, disse o ministro da Energia, Juan Carlos Jobet, ao apresentar a estratégia

Segundo estimativas do governo chileno, nos próximos 20 anos o desenvolvimento desta indústria poderá criar cerca de 100 mil empregos e gerar cerca de 200 bilhões de dólares em investimentos no país.

Mas este não seria o único ganho. Em junho de 2019, o presidente Sebastián Piñera apresentou um plano de descarbonização da matriz energética do Chile para tornar o país neutro em carbono até 2050. O uso doméstico de hidrogênio verde poderia ajudar a reduzir as emissões poluentes do país em até 25% até aquela data.

A estratégia apresentada tem três partes. A primeira se concentra no consumo doméstico em larga escala, ao substituir o hidrogênio cinza utilizado nas refinarias do país e incorporar o hidrogênio verde no transporte de passageiros de longa distância e no transporte de cargas pesadas.

Diferentes países estão incentivando o hidrogênio verde, e o que estamos fazendo hoje está ir mais rápido para nos posicionarmos em uma boa posição global

Na segunda metade da década, quando o Chile começar a exportar o combustível, uma produção mais competitiva deverá conseguir introduzir o hidrogênio em novas aplicações, tais como mineração e combustíveis gasosos nas redes de distribuição. Esta será a etapa número dois.

Já na terceira fase, que será a longo prazo, setores como o transporte marítimo e aéreo podem ser descarbonizados com combustíveis derivados de hidrogênio. Além disso, espera-se que à medida que outros países se descarbonizem, os mercados de exportação também cresçam.

Situação atual do hidrogênio no Chile

Hoje o principal uso do hidrogênio está concentrado em insumos de processos industriais, mas pouco a pouco está ocorrendo uma transição para transformá-lo em uma fonte de energia primária em nível global, explica Patricio Lillo, professor de engenharia de mineração da Pontificia Universidad Católica do Chile.

Mas, embora o potencial seja alto, há ainda um longo caminho a percorrer. Além de construir a infraestrutura para fornecer hidrogênio comprimido, que permitira o fornecimento em escala, ainda existe a barreira do preço. Atualmente, a produção de hidrogênio verde é três a quatro vezes mais cara que a convencional.

“A mesma coisa aconteceu com as baterias de carros elétricos há 15 anos. Nesse equivalente, ainda estamos parados em 2005”, diz Lillo.  

Lillo argumenta que a redução de preços não virá de melhorias de eficiência, que serão marginais, mas sim de custos reduzidos. Com base no potencial de produção de energia renovável do Chile, o governo está apostando que o país produzirá o hidrogênio verde mais barato do planeta, a menos de 1,5 dólar por quilo.

“Diferentes países estão incentivando o hidrogênio verde, e o que estamos fazendo hoje está ir mais rápido para nos posicionarmos em uma boa posição global”, diz Pablo Terrazas, vice-presidente executivo da Corfo, a agência governamental encarregada de apoiar o empreendedorismo, a inovação e a competitividade no país, e que também está envolvido no plano apresentado pelo governo.

Um exemplo desta corrida são os 10,6 bilhões de dólares que a Alemanha investiu em criar uma indústria local de produção de hidrogênio verde no contexto do Green New Deal da União Europeia. A Espanha, entretanto, investirá mais 10,5 bilhões de dólares durante a próxima década para produzir 4 GW.

Na China, o grupo Baofeng Energy está construindo uma fábrica na região de Ningxia Hui, no nordeste do país, para produzir 160 milhões de metros cúbicos de hidrogênio verde por ano.

A corrida já começou porque as projeções são mais do que otimistas. Segundo o Conselho do Hidrogênio, a demanda por hidrogênio aumentará em 40% até 2030, criando um mercado global para o combustível e suas tecnologias de cerca de 2,5 trilhões de dólares por ano.

Indústrias transformadoras

O hidrogênio verde também permitirá ao Chile mudar o perfil de uma de suas principais exportações, o cobre, do qual é o principal produtor mundial. A energia é um insumo central para a mineração, portanto a expansão de parques solares e eólicos ajudaria a reduzir a pegada de carbono do setor.

 “A indústria de mineração precisa se transformar em um contexto mais exigente do ponto de vista ambiental. Num futuro próximo, poderemos alcançar a rastreabilidade de nosso cobre”, diz Terrazas.

Uma das ferramentas para isso será o Instituto de Tecnologias Limpas (ITL), cuja criação faz parte do plano apresentado pelo governo e para o qual a Corfo solicitou um processo de licitação que deverá ser concluído antes de 2021.

Há três propostas concorrentes, entre as quais a da Associação para o Desenvolvimento do Instituto de Tecnologias Limpas (ASDIT), composta pela Associação dos Industriais de Antofagasta (AIA), oito centros de pesquisa e onze das principais universidades do país. Sua proposta é instalar a ITL na região de Antofagasta, uma área onde ocorre uma parte importante da atividade minerária do país.

“A mineração no Chile é responsável por cerca de 70% das emissões contaminantes do país, portanto a substituição por fontes de energia renováveis, como a fotovoltaica e eólica, e a substituição do uso de diesel por hidrogênio verde economizaria cerca de 7 milhões de toneladas de CO2 por ano”, diz Víctor Pérez, diretor executivo da ASDIT.

E o ecossistema de inovação associado à mineração verde será fundamental para isso, acrescenta ele. A ASDIT tem 200 projetos em seus livros associados à mineração sustentável, energia e lítio, entre outros. “A tecnologia que esperamos desenvolver não será apenas transcendental para a indústria do hidrogênio verde no Chile, mas também para o mundo”, diz ele.

Os especialistas concordam que a estratégia do governo sobre o hidrogênio verde é bastante completa, embora reconheçam que há desafios a serem enfrentados. O desenvolvimento do capital humano é um deles, pois se trata de uma nova indústria. Além disso, o país deve decidir que tipo de papel deseja desempenhar no setor de hidrogênio verde em nível mundial.

O futuro Instituto de Tecnologia Limpa já tem 50 milhões de dólares comprometidos pelo governo e terá cofinanciamento privado. Há outros 190 milhões de dólares destinados ao resto da estratégia do hidrogênio verde.

“Essa quantidade não é suficiente para mudar a matriz energética para os próximos 50 anos”, diz Lillo. Ainda assim, ele acredita que a estratégia é um bom roteiro e permitirá ao Chile fazer parte do grupo de 30 países já na corrida pelo hidrogênio verde.